É certo que esse post é mais uma indignação do que uma motivação para falar desse tema, revelando-se até mesmo desafiador o exercício de explicar de forma sucinta os princípios que norteiam os recursos no processo civil brasileiro. Não que seja matéria de difícil entendimento a abordagem “da finalidade do sistema recursal”, pelo contrário, o difícil é encontrar interessados dentro “dessa base” de impedir que essas atrocidades continuem ocorrendo.
O “sistema recursal”, em vários aspectos, é um porto seguro para o uniformização do que é decidido para mim e o que é decidido para você, pelo menos deveria ser. Muitas inovações ocorreram já na vigência do CPC/73 e agora com entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015 (atual CPC) abriu-se uma enorme fissura na estrutura dos conceitos e finalidades desse sistema recursal e “no próprio conceito e finalidade de julgamento colegiado”.
Muitas aberrações jurídicas estão ocorrendo no julgamento “de outros recursos” em mesma intensidade e até mesmo de forma mais gravosa, mas nesse “post”, a abordagem se fará apenas no que se refere a espinha dorsal que é o recurso de apelação, dada a amplitude, alcance e importância desse remédio dentro do sistema recursal vigente.
A observação central dessas linhas e da falência institucional do sistema recursal se inicia na extinção da figura do revisor (art. 551 do CPC/73) e termina no próprio mecanismo de julgamento pela total ausência de fiscalização e interesse dos demais integrantes do colegiado quanto a justeza e acerto da decisão do Relator.
Em São Paulo, por exemplo, o “rito do julgamento virtual” foi instituído pela Resolução nº 549/2011 que prevê em seu §1º, art.º 1 que “o relator encaminhará seu voto aos demais componentes da turma julgadora por mensagem eletrônica” ou seja, a conformidade do voto proferido será analisado pelos demais integrantes, em tese, sem qualquer tipo de análise dos autos, das impugnações das partes ou demais ocorrências suscitadas o que não deixa de ser teratológico, um tremendo absurdo.
Consigne-se que o “absurdo” não é apenas um privilégio do julgamento virtual. Nos julgamentos presenciais ou os agora por “videoconferência” deixa-se notório que o 2º e 3º juiz sequer sabem do que se trata o recurso e os temas nele abordado, com raríssimas exceções. Cita-se um exemplo um julgamento em que se alegava “nulidade de uma arrematação” baseada em inúmeros pontos onde o julgamento não demorou mais de 30 segundos; o relator em seu voto disse: “Não há nulidade”; o segundo e terceiro juiz “acompanho o relator”; Resultado do julgamento: Negaram Provimento ao Recurso”
Quando se fala de recurso automaticamente se exprime a ideia de “revisão colegiada” daquilo que foi decidido “por um juiz singular” e da qual se pretende recorrer. Definição “impar” dada ao conceito intrínseco da finalidade do sistema recursal foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça quanto do julgamento do RESP 1.765.579 que assim pontificou, “in verbis”:
“o CPC tem como objetivo a criação de uma jurisprudência íntegra, estável e coerente, e é com base nisso que se tem de interpretar a norma. Pode-se entender o parágrafo 2º do artigo 489 do CPC/2015 como uma diretriz que exige do juiz que justifique a técnica utilizada para superar o conflito normativo, não o dispensando do dever de fundamentação, mas, antes, reforçando as demais disposições correlatas do novo código, tais como as dos artigos 10, 11, 489, parágrafo 1º, e 927. (…) o parágrafo 2º do artigo 489 visa assegurar “a racionalidade e a controlabilidade da decisão judicial, sem revogar outros critérios de resolução de antinomias, tais como os apresentados na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. (…). O dever das instâncias recursais competentes é conferir, em cada situação, se a técnica da ponderação foi bem aplicada e, consequentemente, se a decisão judicial possui fundamentação válida”.
Isso quer dizer, a teor do art. 5º e art. 22, I da Constituição da Republica, que o juiz deve seguir o que está na Lei e não pode criar direitos ou mecanismos alheios e a margem desse sistema, porque isso instituiria a insegurança jurídica, criaria uma figura arbitrária e a figura de um juiz-legislador o que é seguramente expressamente vedado.
Os artigos 1.009 usque 1.104 do CPC em sua redação – inserida nela a “mens legis” – dá a conotação de julgamento com base exclusiva e essencialmente coletiva, colegiada, de turma (“se não for o caso de decisão monocrática, elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado”….”A apelação devolverá ao tribunal” .. “Se o processo estiver em condições de imediato julgamento o tribunal deve decidir desde logo o mérito”…) razão pela qual o que está ocorrendo é grave, é desrespeitoso com o jurisdicionado, é ilegal.
O que se vê na prática é “um juiz de segundo grau”, com base e isoladamente em suas convicções pessoais, “monocraticamente”, decidindo o mérito dos recursos e com isso a vida de milhares de pessoas e muitas vezes, sem qualquer critério ou aprofundamento nas questões debatidas, reformando decisões polidas, comprometidas, aprofundadas e proferidas por juízes singulares que nitidamente “cumpriram a lei e decidiram de forma comprometida com a Justiça” .
Depois disso? Recurso ao Superior Tribunal de Justiça? Ao Supremo Tribunal Federal? Seguramente outras aberrações que poderão ser tratadas em outra oportunidade.
Fica a dica !!!!!!!